quarta-feira, 3 de setembro de 2008

O retorno depois de parada não anunciada

A Europa tem um pouco de tropical, de Brasil, no seu funcionamento. Me refiro especificamente à parada dos segmentos público e privado durante os meses de julho e agosto. Esses meses são os mais agradáveis sendo, portanto, destinados àquela paradinha estratégica de recarga das baterias. É um pouco da parada para o Carnaval, que sempre vem acompanhada férias e de certa freada no país. Eu não parei, mas o Blog sim.

Bem, retorno às atividades de ensino e pesquisa no Agrocampus-Ouest e INRA. Aqui tudo se organiza com muita antecedência. Isso é mais verdade ainda na estratégia européia para a produção de alimentos. Em Bruxelas existem debates calorosos em vista da manutenção, revogação ou ajuste de cotas de produção por país. Na verdade, a primeira versão da Política Agrícola Comum (PAC) da UE-27 está saindo do forno. O que a imprensa mostra é que haverá certa flexibilização dentro do bloco. Mas não há sinais se as barreiras intercomunitárias sejam flexibilizadas. Isso quer dizer que não é possível que o Brasil vislumbre a curto prazo uma União Européia disposta a comprar mais produtos que já o faz. Veremos.

Bem, agora volto com informações semanais.

Até semana que vem.

segunda-feira, 30 de junho de 2008

A globalização padroniza preços



O grande debate atual é o efeito da globalização sobre o custo dos alimentos no mundo. O problema colocado é que a mercado mundial optou por produtos chamados “commodities”, ou seja, sem fronteiras e com preços FOB definidos por poucos centros de decisão no mundo.

Se por um lado isso é bom para quem trabalha com mercados mundiais, por outro esse sistema expõe o paradoxo econômico mundial, onde o poder de compra das diferentes moedas está longe de ser harmônico.

Nessa situação de déficit, os países que não têm petróleo ou alternativas energéticas e têm déficit de alimentos, perdem duplamente. Primeiro por que o custo econômico desses países aumenta de acordo com o preço do petróleo. Segundo, por que os preços dos alimentos aumentam pressionados pelo petróleo. O momento é de um debate rico em análises e perspectivas.

O que tenho observado aqui, que a Europa tenta por um lado garantir energia fóssil do leste (sobretudo da Rússia) e do norte da África. Por outro lado, a Europa tenta encontrar mercado para o excedente da produção de alimentos no bloco, sobretudo de carnes. Nessa perspectiva, pelas relações Históricas da Europa com o resto do mundo é provável que ela aproveite bem a crise. Mas para a Europa (ou para os governos) é muito importante esse excedente, pois reduz o preço dos alimentos e atenua a pressão inflacionária (o grande problema atual).

Para finalizar, essas commodities começam a complicar a produção de carnes de animais confinados como os suínos e aves, espécies em que o Brasil ocupa um lugar de destaque no cenário mundial. Isso pode penalizar o Brasil pela redução de sua competitividade internacional e, sobretudo, pelo aumento dos preços das carnes de aves e de suínos para o consumidor nacional.

Boa semana.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Senadores Franceses visitam o “País do Ouro Verde”


Senadores Franceses visitam o “País do Ouro Verde”

Ontem, enquanto eu pensava no tema para colocar no blog desta semana, zapeando passei pelo canal do Senado Frances e vi a imagem de Brasília: parei!!! Estava surgindo o tema: vagem de senadores franceses “au pays d’or vert”.

Bem, se tratava de uma reportagem da visita da Comissão de Finanças do Senado Francês ao Brasil, mas especificamente para conhecer melhor a produção de etanol. Que coisa, vai e vem e estamos no mesmo tema.

A organização da viagem foi bem feita. Visita a lavouras de cultivo de cana, a usinas, a centro de pesquisa e ao Ministério das Relações Internacionais em Brasília. Obviamente que a “força tarefa” francesa tinha algumas questões pré-determinadas: observar in loco se a produção brasileira atende os pilares da produção sustentável (respeito ao homem e ao meio ambiente). Para tanto, na visita a lavouras, os senadores se interessaram em particular a colheita manual (eles esperavam um regime de escravidão, tal como a imprensa divulga por aqui e nos Estados Unidos – vide reportagem de hoje no Los Angeles Times - http://www.latimes.com/news/nationworld/world). Que o trabalho é pesado ninguém tem dúvida. Para quem nunca viu um cortador de cana se assusta. Não foi diferente para os senadores franceses. A reportagem aproveitou a visita e entrevistou presidente de sindicato de trabalhadores, cortadores, técnicos, gerentes e juiz (já que existem muitos casos em julgamento sobre relação cortadores x usinas). De maneira geral, as percepções foram de que a atividade é rude, mas não aponta para uma escravidão. O juiz entrevistado fez referência que esse problema não existe em SP, mas possa estar presente que nas regiões nordeste (cana) e norte (madeira). Isso é corroborado na matéria de hoje do LA Times. Quando falou um cortador, ele fez referência a sua origem no sertão da Paraíba, onde as condições são pra lá de ruins. Nesse particular os senadores não puderam efetivamente fazer a relação entre situação em SP e Nordeste, pois são cenários muito diferentes. Duas questões fora apontadas pelos senadores e não respondidas: (1) a monocultura da cana é sustentável? (2) a produção da cana é socialmente justa?

Na seqüência, a comitiva visitou uma usina. Ali foi a vez dos técnicos fazerem uma abordagem do balanço energético positivo do álcool da cana. Não foi muito difícil por tudo que se conhece e que se pode fazer quando a tecnologia de obtenção de álcool a partir da celulose estiver no ponto. Mas o usineiro, na sua explanação, falou do apoio do BNDES para implantação do sistema de produção (cultivo e industrialização). Foi suficiente para um grande questionamento de que o Brasil estaria subsidiando a produção através de recursos públicos. Os senadores querem condições iguais com a Europa (eu também, pois aqui os subsídios passam dos 53 bilhões de euros/ano). Bem...

Em seguida os senadores visitaram um centro de pesquisa. A reportagem não esclareceu qual, mas me pareceu algo privado que trabalha com genética vegetal. Ali os pesquisadores e técnicos brasileiros falavam inglês com desenvoltura denotando uma boa formação. No entanto grande parte da reportagem foi baseada num trabalho cooperativo com a Monsanto para inserir nas variedades de cana um gene de resistência ao glifosato. Bem, nem precisa dizer a reação dos senadores... Aqui a critério sustentabilidade (entenda-se também como autonomia tecnológica) desapareceu.

Para finalizar a comitiva foi até Brasília no Ministério das Relações Exteriores (e não da Agricultura). Nesse particular o Brasil deu um tom comercial e não tecnológico ao tema.

Tive a impressão de que os senadores ficaram impressionados como que viram de positivo e negativo, mas permanecem fortemente inclinados em defender a produção européia e, sobretudo, a francesa.

Boa semana.


Foto ilustrativa: embrapa.com.br

segunda-feira, 9 de junho de 2008

COMO A EUROPA VÊ A CRISE MUNDIAL ALIMENTOS



Como não podia deixar de ser, a semana foi marcada por uma exposição acima do normal do tema CRISE MUNDIAL ALIMENTOS nas diferentes mídias européias. Diante disso, achei interessante trazer para vocês algumas preocupações dos europeus sobre esse tema. Primeiramente há uma tentativa de todos os setores da sociedade em encontrar as razões da crise e qual o papel da Europa nisso tudo. Nas abordagens gerais, fica evidente que o problema é multifatorial, de difícil solução e que afeta, sobretudo, os países pobres que eles chamam “do sul” (do Equador).

As conseqüências do aumento de preços para as populações dos países do Sul que especialmente são os que importam alimentos (ou não são auto-suficientes) são preocupantes até mesmo para a estabilidade política. Esse fato é maior nas populações pobres que não têm mais margens de manobra para controlar a crise. Mas esse aumento de preços não é o primeiro que esses países sofrem. Em 1994, a desvalorização de 50% da moeda nos países africanos de língua francesa, quase duplicou os preços dos alimentos importados. Embora essa elevação tivesse repercussões sérias na segurança alimentar, principalmente das crianças, não provocou revoltas como é se observa atualmente. Ou seja, existe um forte componente político associado ao cansaço de populações que não suportam mais de décadas de crises.

Esse cenário humanitário do discurso europeu tem dois componentes importantes: preço dos combustíveis e Política Agrícola Comum (PAC). É evidente que a Europa vai aproveitar a oportunidade e tentar organizar um pouco a PAC atendendo pressões localizadas (e que aumentam todos os dias). Mas é bom lembrar que a Europa não é um ator principal no mercado mundial de alimentos. Essa reorganização da agricultura tem o objetivo de negociar as quotas de cada país dentro do bloco.

Eu gostaria, de colocar duas questões recorrentes no discurso dos europeus sobre essa crise. A primeira trata da instrumentalização imediata dos países atingidos pela crise para que possam trabalhar políticas de produção de alimentos com demandas internas. Isso se justifica pelo fato de que muitos países pobres têm políticas de produção de alimentos voltadas à exportação. Mas temos que ponderar que muitos deles não têm outras fontes de renda. Essa instrumentalização passa por ajuda através de organismos internacionais.A segunda questão trata de criar mecanismos na União Européia que dificultem a importação de alimentos de países onde há crise ou os sistemas se produção não atendem os princípios da agricultura sustentável.

Bem, fica evidente que do ponto de vista de discurso, o Brasil é alcançado pelas possíveis medidas. Se não é um país em crise de alimentos é, aos olhos dos europeus, um produtor que não aplica os conceitos da agricultura sustentável. Mas não esqueçamos, como foi no caso da carne bovina, que o elemento preço ainda é a força motora mais importante das trocas internacionais. Mas é fundamental para o Brasil que a União Européia não coloque barreiras formais para importação de nossos produtos.

Boa semana.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Aumento do preço dos alimentos na Europa e biocombustíveis


Em vista da solicitação das Nações Unidas para reduzir os programas de apoio aos biocombustíveis, o comissário europeu para a agricultura, Mariann Fischer Boel, rejeitou alegações de que as políticas européias favoráveis aos biocombustíveis seriam a causa do aumento do preço dos alimentos.

Bem, para contextualizar o problema: em março de 2007, os líderes europeus se comprometeram em aumentar dos 2% atuais para 10% em 2020 a participação dos biocombustíveis nos transportes em geral. Essa decisão foi tomada em vista de três fatores: aumento do preço do gás, segurança energética e mudança climática. É importante lembrar que o preço médio do petróleo em 2007 ficou abaixo de U$ 80/barril. Obviamente que o petróleo entraria como a quarta razão para adoção dos biocombustíveis. Em resposta à demanda dos líderes europeus, a UE estabeleceu em 23 de janeiro de 2008 uma diretriz ampla tratando das energias renováveis. Essa diretriz apresenta como eixo central para os bicombustíveis a "sustentabilidade". Nesse particular estão os cuidados com o desmatamento, produção de alimentos e disponibilidade de água.

Segundo Fischer Boel, várias são as razões para o aumento dos preços dos alimentos. (1) demanda acelerada em países emergentes como a China e Índia devido a evolução dos hábitos alimentares (consumo de carne); (2) condições climáticas desfavoráveis na Europa, Estados Unidos, Canadá, Rússia, Ucrânia e Austrália em 2006 e 2007, que reduziu a oferta de alguns alimentos com impacto enorme nos mercados das matérias-primas para alimentação animal; (3) forte especulação nos alimentos de base. Fischer Boel insistiu que a política européia para os biocombustíveis não afeta o mercado mundial de alimentos. Segundo ele, isso é uma gota de água no oceano. A UE utiliza menos de 1% de seus cereais para a produção de etanol. E, embora a UE utilize dois terços de sua produção de colza para fabricar biodiesel, a produção européia de colza só representa 2% da demanda mundial.

No meio desse debate político- financeiro desponta um tema recorrente e muito presente na mídia européia: a segunda geração de biocombustíveis produzidos a partir de substratos não alimentares (lixo agrícola, folhas e palha). Aí entra novamente o Brasil em cena com a possibilidade de produção de álcool a partir do subproduto da indústria sucro-alcooleira.

Na verdade, o debate sobre os biocombustíveis está internacionalizado e entrou num embate político onde as implicações econômicas são muito grandes. Talvez esteja aí uma das razões principais pela tentativa da mídia internacional em desqualificar o Brasil como produtor de combustíveis renováveis.

domingo, 25 de maio de 2008

Pescadores enfurecidos

A semana foi marcada pelo movimento dos Pescadores na França que se estendeu rapidamente pela Espanha e Portugal. É importante lembrar que na França existem duas categorias temidas pelo governo: os suinocultores e os pescadores. Só para ilustrar a dimensão e a força, em fevereiro de 1994 os pescadores incendiaram o Parlamento da Bretanha num movimento reivindicatório.

Mas a situação atual dos pescadores tem três motivos: aumento contínuo do preço dos combustíveis (representa 70% custo de produção), preços baixos do pescado e as cotas impostas pela União Européia para cada país membro. As cotas da França, Espanha e Portugal são baixas e seriam a razão principal pela queda dos preços pagos pelo pescado, pois os outros países do bloco estariam inundando esses três países com produtos oriundos de suas cotas, aumentado exageradamente a oferta.

Na verdade a situação do pescado na União Européia expõe um problema complexo que é a limitação de produção por país membro. Isso serve para todos os produtos agrícolas. Nessa condição entram em cena as ações políticas de cada país para atender problemas internos pontuais. Foi o caso da solução dada pela França ao problema dos pescadores: 140 milhões de euros (algo em torno de 400 milhões de reais) até o final de 2008. É claro que a França terá que defender essa ajuda (se quiserem subsídio) em Bruxelas. Mas esse embate é político.

O que sobra de tudo isso é que a população está, por uma ação muito forte da mídia, inclinada em pagar os subsídios naquilo que os europeus estão definindo como “função não alimentar” (ou social) da agricultura.

Apresentando o blog

Prezados interessados na produção de alimentos। Tendo em vista minha relação com a agricultura e a minha permanência na Europa por um ano, tomo a liberdade de apresentar meu blog destinado a publicação de notícias importantes relacionadas à produção animal e vegetal na Europa। Bem, como é de praxe na primeira postagem, vai lá minha apresentação. Sou o sexto de oito irmãos nascidos e criados numa pequena propriedade de Sananduva, nordeste do Rio Grande do Sul. Talvez pela “dureza” da rotina agrícola, baseada na enxada, ordenha manual, aviário com comedouro tubular, etc... (técnicas que se tornariam um dia “ecológicas”), fui aos 13 anos para um internato na Escola Agrotécnica Federal de Sertão. De lá fui para a Universidade Federal de Santa Maria onde conclui Veterinária em 1987. Trabalhei na Cotrijuí e em 1989 voltei à UFSM para fazer mestrado. Em 1990 ingressei na Emater/RS de onde saí em 1994 para assumir como professor na UFSM. Fiz doutorado no Institut National Agronomique Paris-Grignon (1997-2001) em Paris. Retornei este ano para a França para um curso de pós doutorado no Agrocampus (ex Escola Nacional Superior de Agronomia de Rennes) e Institut National de la Recherche Agronomique – INRA (organismo semelhante à Embrapa). Para não espantar os leitores, aos interessados em detalhes de meu CV podem acessar
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4723068Y2.